sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Noites Claras




Noites claras, desse céu teimoso
Que anda a alumiar nosso caminho,
Respondam-me, se houver alento aí,
O que me faz querer tanto assim
A flor do meu desejo ?
Irracional coração,
As mãos me prendeste
Na lida da pena e do papel
A escrever mil vezes que sim,
Eu a amo, eu a quero,
E minh’alma é um poço sem fim,
Descendo a corda do querer
A alguém distante, longe daqui,
Alma maldosa, no amor me invocaste
A amá-la, a minha amada,
Noites sem fim,
Como a mais clara das noites,
Que se me escutar
Há de se apiedar de mim...


quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Nada como o amor

E assim, de repente, me peguei pensando em ti...
Quem nunca amou jamais entenderá isso...
O que é a alma humana sem amor, taça vazia...
Ao relembrar teus olhos, percebo que vivo...
Toda as maravilhas que conheci na Terra
Nem de longe se equiparam aos momentos
Que compartilhei contigo...
Nada suplanta o amor, nada, nem mesmo a morte...
Ele nada em nossos vasos, sustenta nossa substância,
Ele na verdade nos contêm...
Quem sabe o Criador não nos moldou
Em finas folhas de amor condensado ?
Quem melhor que ele para fazê-lo ?
Vejo amor em tudo apenas por que te amo ?
Não, amar é natural aos que te conhecem.
És doce como o pássaro da manhã,
E me encantas apenas por estar ao meu lado.
Pegaria tua mão em silêncio, e a paz reinaria em mim...
Pouse tua cabeleira em meu peito
E meu mundo seria cercado de paz...


"Disparada"

Assisti, emocionado, com um conhecido, ex-militar, a um videoclipe antigo, muito conhecido de quem se interessa por música popular brasileira nos anos 60, e também daqueles que estudam os movimentos populares durante o regime militar (1964-1985).
Trata-se da apresentação de “Disparada”, moda de viola composta por Geraldo Vandré e Theo de Barros, cantada por Jair Rodrigues no festival da canção da TV Record em 1966.
Coisa de cinco minutos, ficamos conversando algum tempo sobre o clima daquela época. Meu amigo, bem mais velho que eu,  afirma ter vivenciado os “anos de chumbo” com intensidade. Para mim, resta estudar em arquivos antigos as polêmicas, os conflitos, o silêncio forçado, as músicas de protesto, o fato de sair de casa “sem saber se voltaria”. E os jovens da época, cheios de idealismo, emoção, vontade de mudar uma realidade com o que estivesse à mão. Muito diferente da maioria dos estudantes de hoje, muito mais preocupados com as baladas e os feriados. Moro perto de uma universidade, e percebo que os estacionamentos ficam cheios às quartas e quintas, e bem vazios nos demais dias. Lembro-me do expediente no Congresso Nacional.
Chega de lamentar. Essa canção, uma das mais inspiradas de Vandré, é cheia de duplo sentido, fazendo uma comparação da vida do boiadeiro com a escalada de poder de um personagem, e sua relação com o povo, abaixo dele. Começa bem lenta, e ganha em emoção conforme vai se desenrolando, e, acompanhando pelo vídeo, é fácil perceber a empolgação do público e até de Chico Buarque, Nara Leão e Elis Regina, que estavam no palco. O contraponto era o posicionamento de vários guardas civis paulistas distribuídos entre o público, atentos a qualquer distúrbio ou palavra de ordem contra o regime. Ainda não se vivia o período negro do AI-5, mas já havia indícios de que aquela década não acabaria bem para o movimento estudantil. Chico, que comentei acima, apresentaria uma música concorrente “A Praça”, que disputaria os votos dos jurados palmo a palmo. Em todo o Brasil, pessoas apostavam que “Disparada” venceria o festival, outros, que “A Praça” sairia vencedora. No final, um empate entre as duas canções, e nada mais justo. Não faço idéia como as apostas se pagaram.
Surpreendo-me com os olhares, as expressões, quase se percebe a febre que tomava conta desses garotos e garotas, dispostos a mudar um estado de coisas que sabiam ser totalmente injusto. Observando os jovens de hoje, imagino que falta alguma coisa, que algo se perdeu. Parece que a vontade de lutar ficou em algum lugar do passado, anos-luz distante de mim.
Terminei de assistir com uma lágrima correndo, que disfarçadamente colhi com o lenço. 
Lembro-me que uma professora me disse, anos atrás, que para o mundo ser um lugar melhor, antes terá que piorar muito.
Percebo que ela estava certa, e que o mundo mal começou a piorar...



Disparada




Letra de Geraldo Vandré
Música de Theo de Barros
Interpretação de Jair Rodrigues



Prepare o seu coração pras coisas que eu vou contar
Eu venho lá do sertão, eu venho lá do sertão
Eu venho lá do sertão e posso não lhe agradar
Aprendi a dizer não, ver a morte sem chorar
E a morte o destino tudo, a morte o destino tudo  
Estava fora de lugar, eu vivo pra consertar
Na boiada já fui boi, mas um dia me montei
Não por um motivo meu ou de quem comigo houvesse
Que qualquer querer tivesse, porém por necessidade
Do dono de uma boiada cujo vaqueiro morreu
Boiadeiro muito tempo, laço firme, braço forte
Muito gado, muita gente pela vida segurei
Seguia como num sonho e boiadeiro era um rei
Mas o mundo foi rodando nas patas do meu cavalo
E nos sonhos que fui sonhando, as visões se clareando
As visões se clareando, até que um dia acordei
Então não pude seguir, valente, lugar tenente
E o dono de gado e gente, porque gado a gente marca
Tange, ferra, engorda e mata
Mas com gente é diferente
Se você não concordar não posso me desculpar
Não canto pra enganar, vou pegar minha viola
Vou deixar você de lado, vou cantar noutro lugar

Na boiada já fui boi, boiadeiro já fui rei
Não por mim nem por ninguém
Que junto comigo houvesse
Que quisesse ou que pudesse, por qualquer coisa de seu
Por qualquer coisa de seu, querer mais longe que eu
Mas o mundo foi rodando, nas patas do meu cavalo
E já que um dia montei, agora sou cavaleiro
Laço firme, braço forte, de um reino que não tem rei 

Na boiada já fui boi, boiadeiro já fui rei
Não por mim nem por ninguém
Que junto comigo houvesse
Que quisesse ou que pudesse, por qualquer coisa de seu
Por qualquer coisa de seu, querer mais longe que eu
Mas o mundo foi rodando, nas patas do meu cavalo
E já que um dia montei, agora sou cavaleiro
Laço firme, braço forte, de um reino que não tem rei !

  



quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Pobre oração do andarilho

Nos vidros sujos dos ônibus, te vejo,
Por estradas esburacadas te procuro,
Em cidades onde nunca caberia um sonho,
Lá te procuro sem cessar...
Quisera saber onde te localizar,
Nem sei bem se dentro de mim,
Ou num dia triste, de chuva e frio,
Nunca sei bem onde estarás...
Ando, inconsciente quase,
De pés nus, mas de alma limpa,
Após sujar as mãos de lama por mil vezes,
Abandonando minhas certezas por loucuras sem tamanho...
Ah, essas certezas voam,
 inconsequentes, à procura da felicidade,
Que talvez nunca me seja dada,
Mas que, teimosamente irei buscar,
Nesse mundo imenso e besta aí fora... 


Hei...

Onde houver um mar,
Me obrigarei a te buscar,
Seja na aurora, no nascer do vento sueste,
Me obrigarei a te procurar...
Onde estarias senão lá,
Na imensidão inexplorada do sonho,
Ou numa curva qualquer da estrada longa,
Hei de te encontrar...
Alçar vôo sobre caminhos não percorridos,
E tu ali estarás,
Nas dobras dos meus desvaneios...
Num acontecimento banal qualquer...
Estás aqui, em cada pingo da tinta
Com que pinto meu mundo...
Em cada gota de sangue aguerrido...
Hei de te amar, em cada evento possível,
Até o final desse mundo esquisito...
Hei...


Friburgo, Teresópolis, Petrópolis...


Hoje percebo que o assunto do post (a tragédia que se abateu sobre a Serra Fluminense) já saiu da mídia.
Fico aqui sentado e pensando. Todo começo de ano observo uma nova tragédia relacionada aos ajuntamentos populacionais.
O foco aqui não é discutir o inchaço das cidades, seus bolsões de miséria, o destino de pessoas sem qualificação para viver numa sociedade que forçosamente terá que ser mais disciplinada, no que tange a utilização dos recursos para sua sobrevivência, e por conseguinte, muito mais competitiva.
O problema é o seguinte : o poder público nunca organizou o crescimento dos bairros, dotando-os de eixos de transporte público, águas, esgotos, escolas, ambulatórios. Nunca houve um diálogo entre as ansiedades dos que vem e as necessidades de quem os recebe. Não se estabeleceu um pacto.
As eleições vem, e com elas, tratores, varredores de rua, discursos.  Os votos são a única coisa que o poder público busca junto a esses novos cidadãos.
As cidades incham. As eleições acontecem a cada dois, quatro, oito anos...
Como se fosse de repente, acontece o que não estava no script. Mudanças climáticas, resultado de um processo novo (a Revolução Industrial  do século XVIII, menos de trezentos anos atrás...) levam a novo regime de chuvas, elevam e abaixam a temperatura , causam chuvas e secas devastadoras, com ciclos cada vez menores. Os oceanos vão aumentar de volume e sua temperatura vai mudar. É irreversível. O planeta entrou numa era de mudanças, numa velocidade cada vez maior, efeito de mudanças que o homem introduziu sem testar. Nossa vida atual está sendo testada.
Nossos filhos, netos, e demais gerações sempre se perguntarão por que tiveram que enfrentar problemas climáticos cada vez mais complexos.
Onde quero chegar ? Não sou alarmista, mas realista. Creio que chegou a hora de, por um lado, o poder público e o cidadão comum  amadurecerem para a questão. Cidades terão que ser repensadas. Populações terão que ser movidas. Áreas terão que ser preservadas a força. As pessoas não poderão viver onde querem, mas apenas onde é seguro. Leis deverão amparar o uso do solo de modo racional, e regular o modo de gerenciar o crescimento, fiscalizando e cobrando o governante com rigor, assim como punindo com igual rigor aquele que expõe a sua vida a risco, assim como a de sua família. Democracia sim, mas com mais responsabilidade.
Acho que a “ficha ainda não caiu” para a maioria das pessoas. As TV’s já se esqueceram dos mais de oitocentos que morreram no mês passado. Só espero que aqueles que agora esquecem as vítimas não estejam numa área de risco nas próximas estações chuvosas.


terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Como te descrever ?


Como te descrever ?
És uma rascunho de divindade,
Incompleto como toda a Criação...
Mas tens um que de soneto,
Tens melodia em teu ser,
Algo que me mantém absorto
Em tua contemplação...
Talvez teu sorriso, teu jeito de querer,
Sem querer, o que te faz diferente...
E ainda que somente fosses um soneto,
Um livro não poderia te conter...
A cada dia descubro uma virtude tua,
Que resgato com meu coração humilde,
E meus olhos de admirador...
És ainda um soneto inacabado,
Uma obra que pede um final,
Nem que na linha do horizonte
Se procure tua última virtude, afinal.



Imagem: O Nascimento de Vênus (Sandro Botticelli, Galeria Uffizi, Florença )

A carta


“DO AMOROSO ESQUECIMENTO
Eu, agora - que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?”
                                           Mário Quintana



Quando estive pela última vez em Buenos Aires, aventurei-me por aquela parte do bairro de Boca, principalmente a parte que os turistas ainda não tomaram de assalto. Caminhei pelas coloridas ruas com casinhas de lata, cada uma mais colorida que a outra, o ar fresco do Prata a me refrescar, e nisso imaginei o mar, lá adiante, e a saga dos italianos que ali chegaram, apenas com a roupa no corpo, e por ali mesmo ficaram, aproveitando restos do porto para erguer seus barracos de lata. Eram cidadãos de segunda classe para a elite “criolla”, mas traziam seus sonhos, que acabaram eternizados nas ruas palpitantes de música e dança.
Me deixei levar até a Perez Galdós, esquina com Villafañe. Sabia que havia um sebo muito bom ali, e passei a procurar alguma coisa sobre a Guerra do Paraguai, que era mais um dos meus interesses naqueles dias. Meus olhos corriam as prateleiras carregadas, e, meio por distração, eles dançaram para cá e para lá. Achei um corredor dedicado à poesia, e me meti por ali como curioso que sou. Vi adiante uma primeira edição de “Fervor de Buenos Aires”, de Borges, apanhei-o, folheando as saborosas páginas do gigante literário, quando encontrei um papel, mais certo, um manuscrito, e abrindo, pareceu-me uma carta.
Ela estava escrita em italiano, e, como não conheço o idioma, lutei para decifrá-lo, com auxílio inestimável dos dicionários antigos que havia por ali perto. A idade tornara o papel frágil, e os cantos das dobras eram amarelos como conhaque, prontos a se rasgar. Consultei-o com cuidado, e o escrito, em italiano, era mais ou menos isso:

“B. Aires - 9 ottobre 42
Cara Manuela, Dio salvi i tuoi giorni,
così ho aspettato a scrivere di te,
che le mie lacrime si sono asciugate,
ma il ricordo di voi è ancora una fiamma.
Tu sai che non ho potuto dire addio,
E si sa che l'America non è diventato, se non morto,
ma ho promesso a me stesso che non avrei mai ti ricordi,
ma eccomi qui, senza sapere come non hai mai pensare.

Dopo tutto,
Amore,
Riccardo

A tradução pode ser algo assim :

“B. Aires - 9 outubro 42

Querida Manuela, Deus guarde teus dias,
tanto esperei para te escrever,
que minhas lágrimas secaram,
mas a lembrança de ti ainda é como chama.
Sabes bem que não pude me despedir,
E sabes que da América não tornarei, se não morto,
mas prometi a mim mesmo jamais lembrar de ti,
mas aqui estou, sem saber como nunca mais pensar em ti.

Apesar de tudo,
Amor,
Riccardo”

Comprei o livro, que já lera antes, a carta dentro, trouxe-a para o hotel, e no dia seguinte, à noite, tentei imaginar o que acontecera com Manuela e Riccardo, ainda na Itália, para que ele se fosse tão rápido embora. Teria ela engravidado dele ? Ou um parente melhor colocado financeiramente teria pago a passagem dele mas não a dela, por não serem casados, e o orgulho não permitiria que ele aceitasse que não podia trazê-la ? Seria um amor impossível ? Teria havido um crime ?
Tantas possibilidades, tão poucas pistas. No livro encontrei um nome a lápis, Emmanuele Cantino, uma data, dezembro de 1939. Algumas palavras estavam sublinhadas, também a lápis, mas nenhuma outra dica. Nada que os relacionasse.
No dia do meu retorno a São Paulo, passeei por Palermo, às margens do rio, e, enquanto o sol seguia seu curso, bem no final da manhã, imaginei que esses dois seres viveram um momento singular em suas vidas, intenso como o vinho que eu bebera na noite anterior. Cheio de uma amor impossível, logo, um amor daqueles que se recusa a morrer, apesar das impossibilidades. Recusei-me a usar a palavra impossível. Em honra aos dois, desejei que esse momento fosse deles, e que esse silêncio vivo fosse eterno, estivessem vivos ou não.
Atirei a carta, aberta, na corrente lenta e cheia de história do Prata. Desejando que essa carta se somasse a tantas e tantas aventuras que aquelas margens já viram.
Não sei se Manuela esqueceu Riccardo ou vice-versa. Eu nunca me esquecerei da carta deles, ainda que eu tenha esquecido o livro sobre a escrivaninha, no quarto do hotel...